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O Sistema de Saúde Americano e Seus Aspectos Jurídicos

Rosa Maria Ferreiro Pinto 1
Marina Stefania Mendes Pereira Garcia 2
Alessandro Marcus da Silva Gonçalves 3

RESUMO: O presente trabalho tem como objeto de estudo o sistema de saúde nos Estados Unidos. Sabe-se neste não há um modelo de saúde pública universal, como é o caso do Sistema Único de Saúde no Brasil, mas é salutar a compreensão do funcionamento do exercício do direito a saúde para a o conhecimento do sistema internacional, de forma a poder fazer comparações reais e críticas sobre o modelo interno e os demais padrões utilizados. Tal pesquisa foi realizada em livros, mas, sobretudo em artigos científicos em meio eletrônico, bem como em materiais digitais diversos disponibilizados pela internet. O trabalho aborda como tema principal o direito a saúde nos Estados Unidos e as suas peculiaridades.

1 Rosa Maria Ferreiro Pinto, UNISANTA – Universidade Santa Cecília; possui graduação em Serviço Social pela Universidade Católica de Santos (1974), Mestrado em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1984) e Doutorado em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1996). Atualmente é professora da Universidade Santa Cecília – UNISANTA, na graduação do Curso de Psicologia e no Mestrado em Direito da Saúde.

2 Marina Stefania Mendes Pereira Garcia, Advogada desde 2007; Possui graduação em Direito pela UNOPAR – Universidade do Norte do Paraná (2004), Pós Graduação em Direito Empresarial pela UEL – Universidade Estadual de Londrina – PR, Aperfeiçoamento em Mediação e Arbitragem, Mestranda em Direito da Saúde pela UNISANTA – Universidade Santa Cecília.

3 Alessandro Marcus da Silva Gonçalves, Advogado – Especialista em Direito Médico. Conselheiro jurídico –ANADEM – Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética. Mestrando em Direito da Saúde pela UNISANTA – Universidade Santa Cecília. Professor da Escola Nacional de Seguros – FUNENSEG.

Introdução

Estudar sobre o direito a saúde é de suma importância devido a sua coexistência de direito universal e salutar sua presença em todas as Constituições dos demais países, por esse motivo, o estudo sobre o direito a saúde não deve ficar adstrito ao âmbito interno.

Toda a sociedade precisa viver com dignidade e o Estado tem papel fundamental no cumprimento deste princípio constitucional tão importante. Sendo certo que, o direito à saúde integra o direito à vida, com o desígnio de proporcionar a cada cidadão o garantismo estatal da dignidade da pessoa humana. No entanto, em alguns países, não há o provisionamento da saúde por parte do Estado.

Propõe-se no presente estudo compreender o sistema de Saúde nos Estados Unidos. É sabido que nesse país, não há um sistema de saúde público e universal, como o Sistema Único de Saúde no Brasil.

Assim, nos estados Unidos, o acesso à saúde se dá, para a grande maioria da população, pelo sistema privado. Esse modelo de saúde sempre foi utilizado nos Estados Unidos, mas é frequentemente alvo de críticas, notadamente quando a sua população toma conhecimento de que existe um modelo público internacional no Brasil, por exemplo.

Existem vários questionamentos no que se refere ao sistema majoritariamente privado de saúde. Esse modelo, já descrito, e que será analisado mais detalhadamente em momento posterior, parece mais próprio de um país pobre, com baixo orçamento, ou de um país em vias de desenvolvimento, e não de uma superpotência que tem uma das maiores rendas por habitante do mundo. Ou seja, o país tem possibilidades econômicas e estruturais de implantar um sistema de saúde público e universal.

Houve inúmeras tentativas de implantação de modelos diferentes de sistema de saúde, como é o caso do “Obama Care”, sistema de saúde criado durante a gestão do ex-presidente Barack Obama. Essa é uma das reformas mais ambiciosas na história do sistema de saúde americano. Mas esse sistema, mesmo em funcionamento, é estudado, e objeto de revisões judiciais.

Desta feita, o estudo se voltará em compreender, em linhas gerais, os principais sistemas de saúde dos EUA e o seu funcionamento. Assim, será possível obter um maior conhecimento sobre a saúde no âmbito internacional.

Traços Históricos do Direito a Saúde nos Estados Unidos

O debate político a respeito de mudança no modelo de saúde norte americano existe há muitos anos. Um dos principais pontos de discussão se refere ao dever dos Estados Unidos de aprovisionar, cuidados médicos financiados pelo governo. Essa discussão existe desde o século XIX.

Em pesquisas breves encontra-se um fato histórico relevante: no ano de 1854, a ativista Dorothea Dix formulou um projeto de lei que tinha como objetivo garantir saúde pública a todos os cidadãos estadunidenses. Entretanto, sua ideia foi vetada pelo então presidente Franklin Pierce. De acordo com o seu pensamento, a saúde era uma questão de bem-estar social, e essa questão não deveria ser responsabilidade do Estado.

Já no início do século XX, o ex-presidente americano Theodore Roosevelt se esforçou para que fosse implantado um sistema de saúde provisionado pelo Estado, e a destinação desse sistema seria universal, para toda a população. Entretanto, a sua ideia foi rechaçada tanto por políticos Republicanos como Democratas. Desde então, os convênios médicos nos Estados Unidos vêm sendo garantidos pela iniciativa privada.

Essa predominância do setor privado no oferecimento da assistência da saúde é algo intrínseco à cultura estadunidense. Grande parte da população, inclusive, defende o modelo privado de saúde, e entende não ser necessária a existência de um sistema de saúde controlado pelo governo.

Kirkman-Liff realiza uma análise a respeito da evolução do sistema de saúde dos Estados Unidos, os seus resultados são abordados por Silva e Matos, e eles se referem à existência de oito tentativas distintas de reformas no sistema de saúde que resultaram no máximo em reformas incrementais.

Entre as dificuldades apontadas por este autor (Kirkman-Liff) para a ausência de uma reforma estrutural no Sistema de Saúde norte-americano, encontram-se os seguintes fatores: a questão federativa, abrangendo a elevada autonomia dos estados em relação à esfera federal; a diversidade étnica e cultural, presente na sociedade norte-americana; variações econômicas e regionais; forte influencia de grupos de lobby, como a American Medical Association; e baixa participação política da população. (SILVA; MATTOS, 2003, p. 49).

O setor de saúde nos Estados Unidos é o único, considerando os países desenvolvidos, que não possui um sistema que garanta uma cobertura universal para o seu povo. Vários países ofertam essa cobertura.

O sistema estadunidense possui como suas principais características a provisão e financiamento de serviços de saúde por parte do governo e também por parte da iniciativa privada. Várias foram as reformas e leis que buscaram aprimorar um sistema que ainda possui grandes dificuldades de ser praticado.

A Saúde nos Estados Unidos

Como vem sendo exposto no desenvolvimento do presente estudo, nos Estados Unidos não há um modelo de saúde universal a toda população estadunidense. Por esse motivo, ao se deparar com essa afirmação, uma das principais reações é a crítica ao sistema lá existente.

A crítica é realmente válida, tendo em vista que se trata de um país desenvolvido e que teria plenas condições financeiras e estruturais de assegurar a saúde por um modelo público e universal. Por esse motivo é necessário compreender os sistemas de saúde atuais existentes no país.

A maior parte das pessoas não conhece, porém, operam nos Estados Unidos seis programas de saúde diferentes, sendo que três são excepcionalmente públicos; dois são mistos, e um é excepcionalmente privado.

Os sistemas públicos são, em ordem decrescente de contagem de pessoas atendidas, o Medicaid, o Medicare e o Veterans Affairs (VA). Esse último é diferente, pois a sua cobertura é voltada para os militares aposentados, conhecidos como “veterans”, por isso a nomenclatura “Veterans Affairs”.

Já os dois primeiros modelos foram criados em meados de 1960, e a sua finalidade é amparar a saúde das pessoas idosas, no caso do Medicare, proteger a saúde das pessoas que possuem baixa renda, no caso do Medicaid.

Como visto, algumas autoridades no século XX tentaram programar um sistema de saúde universal, mas essas tentativas restaram frustradas, pois havia muita resistência na sua implementação, mas ao menos foram praticados esses dois últimos modelos que amparam o idoso e a pessoa de baixa renda.

Juntos, os três programas atendem quase 100 milhões de estadunidenses, cerca de um a cada três americanos, e, se forem somadas a essa conta as clínicas populares e de caridade — que atuam com repasses públicos, além de algumas doações — e os atendimentos emergenciais subsidiados, os números sobem, seria uma estimativa de cobertura próxima a 120 milhões de habitantes (FERREIRA, 2009).

Almeida explica com maestria esses sistemas:

Para entender o sistema americano é importante destacar a estrutura do sistema. O governo americano atua como regulador e financiador de programas. A partir de instituições como a US Department of Health and Human Services (HHS), Centers for Medicare & Medicaid Services (CMS), Food and Drug Administration (FDA) e Centers for Disease Controland
Prevention (CDC) o governo regula a indústria da saúde conforme as leis americanas. Nas atribuições de financiador, o governo americano atua principalmente através dos programas Medicare e Medicaid. Ambos foram criados a partir do Social Security Act de 1965, durante o governo de Lyndon Johnson e são geridos pela HHS. Juntos esses programas cobriam cerca de 31% da população americana em 2013. (ALMEIDA, 2015, p. 68)

Os sistemas do Medicare e do Medicaid oferecem serviços diversos e essenciais, desde imunizações para gripe até procedimentos cirúrgicos complexos, tratamentos de doenças como câncer e ataques cardíacos. Percebe-se, portanto, que esses sistemas são bem completos, e, mesmo que não sejam universais, cobrem bem as necessidades dos idosos e da população de baixa renda.

Outros dois programas foram ampliados de forma significativa nas últimas duas décadas, tanto por presidentes democratas como Bill Clinton e Barack Obama, quanto por presidentes republicanos como o George W. Bush, e correspondem a gastos per capita do governo norte-americano, maiores do que de praticamente todos os outros países desenvolvidos, atrás apenas de Noruega, Holanda e Luxemburgo. Ou seja, a destinação de verba pública para esses sistemas são altas.

No entendimento de Ferreira, considerando apenas os beneficiários dos serviços, os gastos são grandes:

Quando consideramos, em vez de toda população, apenas os beneficiários dos serviços para computar o gasto per capita, percebemos que os valores são ainda maiores, principalmente no caso do Medicare, cujo gasto médio por beneficiário supera os US$ 10.000,00 — mais de duas vezes o investimento realizado pela Noruega (FERREIRA, 2009, p. 35).

Ainda, de acordo com Cinthia Granja Silva, utilizando da citação de Ugá, as demais pessoas, que não se enquadram no grupo de militares, idosos e de baixa-renda precisam pagar pela saúde:

No país com um PIB elevado, um exemplo a ser seguido em tantas outras áreas, mas não na saúde e em seu sistema de saúde. Excluindo os mais pobres, os militares e os idosos, não há sistema de saúde universal, ou seja, os americanos são obrigados a obter e pagar seus próprios planos de saúde. Os Estados Unidos gastam mais do que o dobro que os países com melhor sistema de saúde, cerca de 6 mil dólares por habitante, sendo que cerca de 46 milhões de norte-americanos não são cobertos por nenhum sistema de saúde (UGÁ; 2001, apud SILVA, 2012, p. 16).

É importante destacar que o acolhimento em situações de emergência é previsto em lei em todos os hospitais estadunidenses que aceitam Medicare, que ampara a saúde das pessoas idosas, independentemente do convênio médico do paciente, a partir desse destaque, é possível perceber que o sistema, embora não seja universal, é bastante amplo. Ou seja, isso significa que se uma pessoa que não tenha plano de saúde sofrer um acidente de carro, por exemplo, por se tratar de uma situação emergencial, praticamente nenhum hospital pode recusar atendimento ao paciente.

O sistema é bem dinâmico. Caso o paciente não possua dinheiro para cobrir os gastos do tratamento, ou pelo menos uma parte dele, o hospital arcará com as despesas que são, em maior parte das vezes, repassados na forma de custos mais elevados para as seguradoras de saúde e para os outros pacientes, havendo, assim, uma socialização de perdas semelhante ao que ocorre no Brasil.

Ainda existem os seguros de saúde privados, que são os predominantes nos Estados Unidos e esses seguros são abordados por Silva, que se fundamenta no Instituto de Saúde Suplementar:

Existem os seguros de saúde privados, que dominam boa parte do mercado, devido à carência e ao alto custo dos serviços públicos. Estes foram introduzidos em meados de 1980 para amenizar o colapso do sistema público norte-americano, o que acabou gerando altíssimo custo para o governo, que sempre manteve o sistema público de saúde, para os pacientes que não possuem plano de saúde, já que as consultas e procedimentos devem ser pagos quando se usa o serviço público. A resposta ao serviço costuma ser bastante rápida e precisa e o desenvolvimento da medicina estadunidense é considerado o mais avançado mundo pela OMS (IESS; 2010, apud. SILVA, 2012, p. 16).

O sistema de saúde privado é garantido por operadoras de plano de saúde, conhecidas como Health Maintenance Organizations (HMO), por meio de despesas próprias diretas (não seguradas) e por doações. Nota-se que o sistema filantrópico é de grande importância, e assegura a saúde para muitas pessoas. (ALMEIDA, 2015)

Assim como no Brasil, os planos de saúde particulares são geralmente oferecidos pelo empregador, que paga uma grande parcela do benefício (que gira em torno de 70-75%), enquanto que o empregado paga o restante do valor por meio da cobrança realizada na sua folha de pagamento. (ALMEIDA, 2015)

Atualmente os Estados Unidos é o país com o sistema de saúde mais caro do mundo. Dados evidenciados do National Center for Health Statistics – Censo de Estatísticas de Saúde (2016), os custos com saúde nos EUA chegaram a três trilhões de dólares em 2014. Dessa forma, apesar dos altos custos com a saúde, para Squires (2012), o gasto não tem relação com uma maior utilização de hospitais e visitas médicas, mas com os altos preços dos serviços médicos e a alta tecnologia empregada no sistema de saúde, E mesmo assim não garante uma assistência à saúde notavelmente superior.

De acordo com o entendimento de Cavalcanti, a eficiência do sistema saúde estadunidense não é grande, e se encontra abaixo do quadragésimo lugar entre os países do mundo:

Segundo a Organização Mundial de Saúde, em eficiência a saúde americana se localiza abaixo do quadragésimo lugar, entre os países do mundo, localização inclusive inferior a vários países pobres. E se os custos são elevados, o pior ainda é que continuam a crescer. Apesar de toda esta despesa, cerca de 15% da população, o que equivale a 46 milhões de americanos, não tem direito a assistência médica quando adoecem. CAVALCANTI, 2020, p. 01)

Percebe-se, com as comparações realizadas entre os sistemas de saúde públicos, como o do Brasil, e os predominantemente privados, como é o caso dos Estados Unidos, que nenhum deles atende a necessidade de toda a população. Há defensores de sistema público universal, e que este tenha eficiência, para todos os países do mundo, mas sabe-se que essa é uma missão difícil, porém não impossível.

Considerações Finais

Conforme foi abordado nesse estudo, o Sistema de Saúde dos Estados Unidos possui seis programas distintos, sendo três exclusivamente públicos (Medicaid, Medicare e o Veterans Affairs, este último voltado para militares aposentados); dois, mistos, e um, excepcionalmente privado. São os sistemas mais conhecido no país que, embora não sejam universais, atendem boa parcela da população.

Viu-se que o acolhimento em episódios emergenciais é imperativo por lei em todos os hospitais americanos que aceitam Medicare, que ampara a saúde das pessoas idosas, independentemente do convênio médico do paciente, o que denota uma quase universalidade desse tipo de atendimento. E esse fato aproxima ainda mais a saúde da população que dela necessita com urgência.

É importante entender que a não obrigatoriedade do Estado em prover serviços de saúde acarreta o cômputo de deixar milhões de pessoas não seguradas, suscetíveis a altíssimos custos caso precisem fazer uso do sistema.

Portanto é possível compreender o motivo pelo qual a saúde nos Estados Unidos é alvo de duras críticas, principalmente se realizada uma comparação entre modelos públicos universais, como é o caso do Sistema Único de Saúde Brasileiro.

O direito à saúde é um direito universal, e, mesmo que cada país tenha uma realidade diferente, deve haver ao menos a garantia mínima a todas as pessoas. O funcionamento do sistema de saúde dos Estados Unidos precisa ser estudado com frequência, e as críticas e elogios pertinentes devem ser exteriorizados e comparados, pois em todo sistema pode-se retirar algo positivo bem como o sugestionamento de melhoras.

Referências

ALMEIDA, Antonio Pedro Mendes de. As perspectivas para a consolidação do mercado de saúde no Brasil. Acesso em: < http://www.econ.pucrio.br/uploads/adm/trabalhos/files/Antonio_Pedro_Mendes_de_Almeida.pdf>. Acesso em 26 mar. 2020.

CAVALCANTI, Ney. Sistema de saúde americano: ruim e difícil de ser modificado. 2020. Sociedade brasileira de Diabetes. Disponível em: < https://www.diabetes.org.br/publico/colunas/50- dr-ney-cavalcanti/272-sistema-de-saude-americano-ruim-e-dificil-de-ser-modificado>. Acesso em 26 mar. 2020.

FERREIRA, F. G. Sistemas de saúde e seu funcionamento. Sistemas de cuidados de saúde no mundo. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2009

SILVA, Cinthia Granja Silva. Análise comparativa das características dos sistemas de saúde nas Américas. USP, 2012. Disponível em:
http://each.uspnet.usp.br/flamori/images/TCC_Cinthia_2012.pdf. Acesso em 26 mar. 2020.

SILVA, Luiz Marcos de Oliveira; MATTOS, Fernando Augusto Mansor de. Welfare State e emprego em saúde nos países avançados desde o Pós-Segunda Guerra Mundial.Rev. Econ. Polit., São Paulo , v. 29, n. 3, Sept. 2009.

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