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O Modelo de Saúde Pública no Reino Unido

Marina Stefania Mendes Pereira Garcia 1
Alessandro Marcus da Silva Gonçalves 2

Resumo

O presente trabalho tem como objeto de estudo o sistema de saúde no Reino Unido. O sistema de saúde nesse país é comparado com o sistema único de saúde no Brasil. Alguns autores afirmam que o Brasil se inspirou no Reino Unido para a concretização do SUS. Percebe-se, a partir dessa perspectiva, que o sistema de saúde no Reino Unido é considerado um sistema modelo. Nesse país opera o sistema NHS (National Health System), que também é construído sob a base da universalidade e da equidade. É importante compreender o sistema internacional, de forma a poder fazer comparações reais e críticas sobre o modelo interno e os modelos internacional, e no caso do Reino Unido, a compreensão do seu sistema de saúde é de grande relevância, por se tratar de um sistema bastante importante, sendo considerado um dos mais antigos do mundo. O objetivo principal é realmente compreender o funcionamento do National Health System, e o seu histórico. Tal pesquisa foi realizada em livros, mas, sobretudo em artigos científicos em meio eletrônico, bem como em materiais digitais diversos disponibilizados pela internet. O trabalho aborda como tema principal o direito a saúde no Reino Unido e as suas peculiaridades.

Introdução

O direito a saúde encontra-se estampado em tratados que versam sobre direitos humanos. A saúde, e os demais direitos que se encontram em tratados semelhantes foram elevados a nível internacional e universal após os acontecimentos da segunda guerra mundial, onde houve o flagrante desrespeito aos direitos humanos.

Assim, cada país, de acordo com a sua soberania, é responsável por estabelecer os regramentos legais concernentes ao acesso à saúde. Mesmo que haja regramentos distintos ao redor do mundo, o direito a saúde é único, e deve abranger os cuidados generalizados, como cirurgias, tratamentos, exames etc.

Nesse artigo, focou-se no estudo do sistema de saúde no Reino Unido. O sistema desse país é muito comparado ao Sistema Único de Saúde do Brasil, tendo em vista tratar-se de um sistema público e universal. Muitos autores afirmam que o Sistema Único de Saúde brasileiro se inspirou no sistema inglês.

Assim, sendo considerado o sistema público de saúde mais antigo do mundo todo, cuja existência remonta 1948, o NHS (National Health System) funciona de forma gratuita para todos que vivem legalmente na Inglaterra, sendo apontado também como um dos mais completos.

O financiamento desse sistema é misto, assim como a maioria dos sistemas de saúde na Europa, sendo assim, há o financiamento por parte do Estado e também por parte da população, que realiza a sua contribuição por meio dos impostos.

Assim, a justificativa para a abordagem desse tema é a necessidade de aprofundamento teórico, e o conhecimento que será proporcionado após a análise de um dos sistemas de saúde mais integrativos do mundo.

Inicialmente objetivou-se compreender, em linhas gerais, as questões atinentes ao direito à saúde de uma forma geral, como sendo um direito humano e essencial para o exercício pleno da dignidade da pessoa humana. Posteriormente passou-se a estudar de forma concreta o sistema de saúde inglês, e a sua estrutura que é pautada na equidade e na universalidade do atendimento.

Muitos elogios são tecidos ao sistema de saúde inglês, tendo em vista o seu modelo universal e equitativo, que proporciona amplo acesso e cobertura, e não há a necessidade de a população realizar pagamento direto para ter acesso ao serviço de saúde, onde o financiamento é realizado pelo Estado e por tributos.

Desta feita, o estudo se voltará em compreender, em linhas gerais, o sistema de saúde do Reino Unido e o seu funcionamento. Assim, será possível obter um maior conhecimento sobre a saúde no âmbito internacional.

Aspectos Iniciais Sobre a Saúde

O direito à saúde está interligado ao princípio da dignidade da pessoa humana. A dignidade da pessoa humana vem reconhecida em 1948, no artigo I da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”.

Ingo Sarlet (2003) ressalta que a dignidade da pessoa humana é qualidade intrínseca de cada ser humano, o que faz com que seja respeitado e considerado por parte do Estado e da comunidade.

É de suma importância a efetividade do Direito à saúde, visto que as políticas públicas destinadas a essa área são de utilidade fundamental à sociedade, já que visam proteger o maior bem tutelado constitucionalmente; a vida.

Nesse contexto, a valorização do direito à saúde se deve ao fato desse direito ser essencialmente um direito fundamental do homem, considerando que a saúde é um dos principais componentes da vida, seja como pressuposto de existência, seja como elemento agregado à qualidade.

De fato, Souza afirma que, “a saúde é componente da vida, estando umbilicalmente ligada à dignidade da pessoa humana. Dessa forma, pode-se dizer que o direito à vida e à saúde são consequências da dignidade humana”. Ademais, “o direito à saúde é, de certa forma, direito à vida, pois a inexistência de um leva, inevitavelmente, ao fim da outra”. (SOUZA, 2007, p. 156)

Desse modo, conclui-se que o direito à saúde pode ser dotado de dupla função, conforme leciona Dallari:

Tanto como um direito de defesa (proteção do Estado à integridade corporal das pessoas contra agressões de terceiros, por exemplo), quanto como um direito positivo (impondo ao Estado a realização de políticas públicas buscando sua efetivação, tais como atendimento médico e hospitalar, por exemplo), e ambas as dimensões demandam o emprego de recursos públicos para a sua garantia. (DALLARI, 1995 p. 31)

O direito à saúde não pode ser fruto de uma escolha do Estado sobre “o que” e “quem” preservar, ele é universal e inalienável, não devendo e não podendo ser objeto de decisões meramente administrativas. Não há que se falar em um direito a saúde versus o outro direito à saúde ou o direito de um (cidadão) em detrimento do direito do outro (“OU um OU outro direito”).

O National Health System do Reino Unido

O Reino Unido é recorrentemente citado no debate sobre a organização dos sistemas de saúde, ora como exemplo a seguir, ora para ilustrar que um grande modelo de saúde pública concessões à participação privada na prestação dos serviços em comparação com os demais países da Europa.

O sistema de saúde no Reino Unido, conhecido como National Health System – NHS, foi criado no ano de 1948, sempre foi prestado pelo poder público e pela iniciativa privada. Atualmente há uma chamada “economia mista”, que permite que qualquer entidade privada realize a prestação de serviços médicos.

No Reino Unido, diversas áreas sofreram reformulações importantes, caso exemplar do sistema educacional. Contudo, no caso do NHS, mudanças de peso só viriam em 1989, com a proposta do 3° governo consecutivo dos conservadores, sob a liderança de Margareth Tatcher, orientadas pelo White Paper — Working for Patients.

O sistema de saúde inglês oferece a todos os cidadãos nacionais os serviços de saúde com amplitude:

O National Health Service – NHS é a joia da coroa no Estado de Bem-Estar britânico e oferece para todos os cidadãos – com encargos mínimos – um sistema de saúde amplo, do qual o Estado é proprietário e gerente, sendo o mais extraordinário exemplo de programa de Estado de Bem-Estar institucional. Como tal tornou-se objeto de desdém para a maioria comprometida ideologicamente com a defesa do encolhimento do Estado, no governo Thatcher. Apesar disso, o NHS provou ser capaz de regenerar-se com rapidez, fazendo as buscas por reformas radicais se mostrarem, por antecipação, impraticáveis; e os esforços do governo na contenção de custos, politicamente danosos. (CARMO, et. al., 2005, p. 31)

No NHS, inicialmente, havia a intenção de descentralização dos serviços e a consequente atribuição aos municípios; entretanto, houve resistência da classe médica e não foi efetivada em razão de que médicos de atenção primária recebiam por captação, isto é, conforme o número de pacientes que compunham sua lista de pacientes.

O sistema permaneceu integralmente público e centralizado até 2004, quando houve uma separação para os quatro países que compõem o Reino Unido: Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte.

Embora a base do sistema permaneça a mesma entre os países, a execução em cada país apresenta algumas peculiaridades. O NHS da Inglaterra, dos quatro países do Reino Unido, é o que mais recebe recursos do Departamento de Saúde do Reino Unido e, por esta razão, será utilizado para nortear este estudo.

A criação do NHS no final da década de 1940 possibilitou a consolidação de direitos humanos universais no Reino Unido, em um período político de reconstrução social e econômica da Europa no pós-guerra. Nos últimos 30 anos, o NHS foi modificado a partir das crises econômicas da década de 1970, sob a influência do governo conservador de Margaret Thatcher, passando pela era trabalhista do final da década de 1990 e retornando aos conservadores em 2010. Atualmente, reflete a pujança das relações de mercado que ultrapassam os limites das relações comerciais, influenciando o setor de serviços públicos que garantem direitos sociais. (FILLIPPON, et. al. 2016, p. 04)

Assim, de acordo Tanaka e Oliveira (2007, p. 01), grande parte do financiamento do sistema de saúde do Reino Unido é retirada do poder público, “principalmente de impostos gerais, com uma pequena contribuição do sistema de Seguridade Social; portanto, o sistema público inglês conta com fontes de financiamento semelhante às do SUS”. Mas também há o financiamento da população, por meio de impostos específicos.

O Estado tem a responsabilidade pelo financiamento (majoritariamente através de impostos), posse e gestão das instalações de saúde, bem como pelos cuidados hospitalares, enquanto que os cuidados de ambulatório podem ser prestados por agentes públicos, privados ou por uma combinação dos dois. (ANJOS, 2015, p. 15)

De forma a garantir a qualidade da prestação da saúde, no Reino Unido há a Care Quality Commission, que é responsável pela fiscalização dos estabelecimentos de saúde, verificando se os mesmos cumprem com os padrões de qualidade. Ainda, assegurando manter a qualidade do atendimento, existe, ainda, a regulação profissional dividida em setores, para cada área da saúde:

Assim, e a um nível profissional, no Reino Unido existe um regulador para cada profissão médica: médicos – General Medical Council; enfermeiras e parteiras – Nursing and Midwifery Council; dentistas – General Dental Council; especialistas dos olhos – General Optical Council; farmacêuticos – General Pharmaceutical Council; quiropráticos – General Chiropractic Council; osteopatas – General Osteopathic Council; e ainda profissionais da saúde, psicologia e ação social – Health and Care Professions Counci. (ANJOS, 2015, p. 16)

Como se vê, o sistema inglês de saúde é um dos mais antigos do mundo, sendo considerado um sistema modelo. Como qualquer outro sistema de saúde, há falhas, mas a sua ampla cobertura é alvo de elogios. Assim, cabe compreender as suas bases que se assemelham com o sistema de saúde brasileiro: a universalidade e a equidade.

Universalidade e Equidade

Desde o princípio da década de 80, economistas da saúde do Reino Unido têm-se mostrado particularmente empenhados em clarificar e fundamentar o conceito de equidade direcionado ao seu sistema de saúde.

Ainda, no caso britânico, o NHS também sofre, hoje, os impactos de um novo regime de financiamento, adotado após a crise econômica que atingiu a economia europeia em 2009 e que justificou a volta do discurso da austeridade fiscal, mas mesmo com essa realidade o sistema manteve sua base universal.

Tanaka e Oliveira faz uma comparação entre o sistema de saúde do Reino Unido, e o sistema d saúde do Brasil:

Considerando a importância do SUS no processo de construção do estado moderno brasileiro, a reflexão e a analogia com os processos de reforma implementados no NHS ajudam-nos a visualizar criticamente o alcance e as limitações das estratégias implementadas no SUS para se construir um modelo de atenção à saúde que atinja os princípios da universalidade, integralidade e equidade. Enfim, a compreensão dos desencadeantes e dos resultados obtidos pelas reformas do sistema de saúde inglês, em distintos momentos de construção do estado de bem-estar social, permite a identificação de aprendizagens importantes para o processo de construção do SUS. Fica claro, neste recorte histórico, que mesmo sistemas de saúde mais consolidados e com estrutura organizacional estável necessitam de ajustes constantes para atender necessidades epidemiológicas e demandas políticas, acarretando avanços e percalços semelhantes aos enfrentados no SUS. (TANAKA; OLIVEIRA, 2007, p. 01)

Diferente do que ocorre no Brasil, o sistema público de saúde britânico conta com uma maior legitimidade social. “A maneira como o NHS é pensado – até do ponto de vista de direita e esquerda – é diferente do Brasil”, compara Mariana Jansen. Segundo a pesquisadora, a legitimidade do sistema britânico relaciona-se à criação de um laço social entre as diferentes classes após a Segunda Guerra Mundial.

Assim como o SUS no Brasil, o NHS também oferece atenção universal em saúde para todos os que residam em território nacional, o que, no caso do Reino Unido, se aplica a Inglaterra, Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales.

O direito à saúde é um direito essencial ao ser humano, previsto constitucionalmente como um direito fundamental de segunda geração, ou seja, que requer ações positivas dos Entes Estatais, que devem garantir o acesso universal e igualitário a todos os cidadãos, como acontece no Reino Unido.

A demanda histórica pela universalização e gratuidade da saúde pública foi institucionalizada em princípios gerais, objetivando uma construção coerente de um sistema de saúde. Essas diretrizes vão direcionar todas as ações concernentes desde o planejamento até a prestação de serviço na ponta (ao cidadão).

Considerações Finais

Conforme foi visto no desenvolvimento do presente estudo, a saúde é direito fundamental, elevado em nível de direito humano, inclusive. O direito à saúde encontra-se disposto nos textos constitucionais de todos os países.

O objeto de estudo do presente artigo foi o sistema de saúde no Reino Unido. Nesse país, o sistema de saúde é semelhante ao sistema de saúde brasileiro. Muitos autores afirmam que o sistema de saúde brasileiro se inspirou no sistema de saúde inglês, que é considerado o sistema mais antigo do mundo.

O sistema inglês é público, sendo financiado pelo Estado e pela população, por meio do pagamento de tributos federais. É, ainda, considerado um dos sistemas mais completos, com uma cobertura extensa.

Como no sistema de saúde brasileiro, o sistema de saúde inglês se fundamenta na equidade, não distinguindo as pessoas atendidas pelo sistema, e pela universalidade, abrangendo toda a população do Reino Unido.

Portanto, é perceptível a importância desse sistema de saúde, que por ser o mais antigo do mundo, inspira modelos internacionais, e é um modelo referência na Europa, e também no mundo.

Pretende-se que com esse estudo os operadores do direito, e as pessoas que se interessam pelo assunto, realizem estudos mais aprofundados a respeito do sistema de saúde no âmbito internacional, fazendo com que a sociedade possa conhecer como se dá a efetivação da saúde ao redor do mundo.

Referências

ANJOS, Joana Neto. Regulação no setor de saúde: análise de direito comparado Portugal, Reino Unido, França e Espanha. Cedipre online, 2015.

CARMO, Edgar Cândido do; BOMBACH, Luciane; PINOTTI, Sara. Welfare State: as reformas no Sistema de Saúde no Reino Unido e Alemanha. Leituras de Economia Política, Campinas, (11): 27-57, dez. 2003/dez. 2005.

DALLARI, Sueli Gandolf. Os Estados brasileiros e o direito à saúde. São Paulo: Hucitec, 1995, p.23.

FILLIPPON, Jonathan; GIOVANELLA, Lígia; KONDER, Mariana; POLLOCK, Allyson. A “liberalização” do Serviço Nacional de Saúde da Inglaterra: trajetória e riscos para o direito à saúde. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 32(8):e00034716, ago, 2016.

SARLET, Ingo Wolfgang. Perspectiva histórica: dos direitos naturais do homem aos direitos fundamentais constitucionais e a problemática das assim denominadas dimensões dos direitos fundamentais. A eficácia dos direitos fundamentais, 3 ed. rev. atual e ampl. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2003.

SOUZA, Fernanda Oliveira de. A intervenção judicial como garantia da efetivação do direito à saúde: possibilidades e limites no caso dos medicamentos. Direito & Justiça, 46 Porto Alegre, v. 36, n. 1 2010, p.15.

TANAKA. Oswaldo Yoshimi; OLIVEIRA, Vanessa Elias de. Reforma(s) e estruturação do Sistema de Saúde Britânico: lições para o SUS. Scielo, 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-12902007000100002&script=sci_arttext. Acesso em 22 abr. 2020


1 Marina Stefania Mendes Pereira Garcia, Advogada desde 2007; Graduação em Direito, UNOPAR – Universidade Norte do Paraná (2004), Pós Graduação em Direito Empresarial pela UEL – Universidade Estadual de Londrina – PR, Aperfeiçoamento em Mediação e Arbitragem, Mestranda em Direito da Saúde pela UNISANTA – Universidade Santa Cecília.

2 Alessandro Marcus da Silva Gonçalves, Advogado – Especialista em Direito Médico. Conselheiro jurídico –ANADEM – Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética. Mestrando em Direito da Saúde pela UNISANTA – Universidade Santa Cecília. Professor da Escola Nacional de Seguros – FUNENSEG.

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