CONVERSE NO WHATSAPP: (21) 96722-9614
Você está visualizando atualmente Gestão de Saúde Pública no Canadá

Gestão de Saúde Pública no Canadá

Marina Stefania Mendes Pereira Garcia 1
Alessandro Marcus da Silva Gonçalves 2

RESUMO: O presente trabalho tem como objeto de estudo o sistema de saúde Canadá. O sistema de saúde nesse país é bastante peculiar, e de certo modo, se aproxima do sistema de saúde brasileiro. No Canadá há um sistema de saúde universal e equitativo, onde há o atendimento de todas as pessoas, sem distinção de classe social ou demais diferenciações. Ainda, é um sistema com ótimo funcionamento, e é financiado pelo Governo Federal, e pela população por meio de tributos recolhidos. É importante compreender o sistema internacional, de forma a poder fazer comparações reais e críticas sobre o modelo interno e os modelos internacional, e no caso do Canadá, a compreensão do seu sistema de saúde é de grande relevância, por se tratar de um sistema bastante peculiar. O objetivo principal é realmente compreender o funcionamento dos principais sistemas de saúde no país. Tal pesquisa foi realizada em livros, mas, sobretudo, em artigos científicos em meio eletrônico, bem como em materiais digitais diversos disponibilizados pela internet. O trabalho aborda como tema principal o direito a saúde no Canadá e as suas peculiaridades.

Introdução

Estudar sobre o direito a saúde é de grande importância no cenário atual que é possível verificar a relevância dos profissionais de saúde e sua atuação. Nesse vértice, o direito a saúde é considerado um direito universal, que deve encontrar-se presente em todas as Constituições de todos os países, por esse motivo, o estudo sobre o direito a saúde não deve ficar adstrito ao âmbito interno.

A população mundial precisa viver com dignidade, e isso é extraído do jusnaturalismo, que é o direito do homem, e que precede qualquer ordem social estabelecida. Por esse motivo, a saúde e um direito que foi abordado, inclusive, em documentos internacionais que versam sobre direitos humanos.

Assim, é certo que o direito à saúde integra o direito humano e fundamental à vida, com o desígnio de proporcionar a cada cidadão o garantismo estatal e universal da dignidade da pessoa humana. No entanto, em alguns países, diferentemente de outros, há o seu provisionamento por parte do Estado, de forma isolada, ou do Estado em cooperação com a população.

Propõe-se no presente estudo compreender o sistema de Saúde no Canadá. É sabido que nesse país, não há um sistema de saúde público e universal, como o Sistema Único de Saúde no Brasil, e se baseia na universalidade e na equidade. É universal porque o atendimento é voltado para todas as pessoas do país, e equitativo, pois não realiza diferenciações de nenhum tipo, muito menos de classe social.

No Canadá, o acesso à saúde se dá pelo sistema público. Entre as décadas de 70 e 90, o custeio do sistema de saúde era realizado exclusivamente pelo Governo, sem o auxílio da população. Na atualidade, o custeio ainda é realizado pelo Governo, no entanto, há a participação da população por meio de pagamento de tributos, geralmente cobrados no Imposto de Renda.

Ainda, o país é dividido em várias províncias, e em cada uma impera um sistema de saúde diferente, ou seja, o sistema de saúde no Canadá não é único.

Muitos elogios são tecidos ao sistema de saúde canadense, tendo em vista o seu modelo universal e equitativo, que proporciona amplo acesso e cobertura, e não há a necessidade de a população realizar pagamento direto para ter acesso ao serviço de saúde. O pagamento só se justifica em casos excepcionais, como perda de consulta, por exemplo.

Desta feita, o estudo se voltará em compreender, em linhas gerais, os principais sistemas de saúde no Canadá e o seu funcionamento. Assim, será possível obter um maior conhecimento sobre a saúde no âmbito internacional.

O Sistema de Saúde no Canadá

O direito à saúde está interligado ao princípio da dignidade da pessoa humana, percebe- se, portanto, a sua relevância. A dignidade da pessoa humana vem reconhecida em 1948, no artigo I da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de
fraternidade”.

Por sua vez, Ingo Sarlet (2012) ressalta que a dignidade da pessoa humana é qualidade intrínseca de cada ser humano, o que faz com que seja respeitado e considerado por parte do Estado e da comunidade.

No Canadá, o sistema de saúde é sustentado através de uma parceria realizada entre o Governo do país e os governos das províncias. O país é composto por 10 províncias, quais sejam: Alberta, British Columbia, Quebec, Manitoba, New Brunswick, Terra Nova e Labrador, Nova Scotia, Ontário, Prince Edward Island e Saskatchewan.

Quando uma pessoa muda de província, deve haver a modificação da mudança do plano de cobertura de saúde, mas nessa transição, a pessoa não ficará sem atendimento, e a província antiga deve garantir o acesso à saúde por um determinado período de tempo, até que a mudança seja concluída:

Uma coisa importante a ser falada aqui é a portabilidade, ou a capacidade de mudar de cobertura de saúde ao mudar de província. Quando você muda de uma província para outra a mudança da cobertura da saúde demora 3 meses para ser efetuada – e durante estes 3 meses a sua província antiga é responsável pelos seus gastos com saúde. (GHISI, 2017, p. 01)

Esse sistema de saúde é dividido em dois seguros públicos, quais sejam: o seguro para serviços médicos e o seguro destinado para serviços hospitalares.

As questões gerais a respeito do provimento dos serviços médicos e hospitalares são delimitadas pelo Governo Federal. Ressalta-se que esses serviços precisam ser oferecidos em todas as províncias do país.

O Governo também participa do financiamento desses serviços de saúde, como afirmado anteriormente. Por outro lado, as províncias ficam encarregadas do planejamento e gerenciamento da prestação desses serviços. Essas províncias ao gerir a saúde, detém total autonomia.

O sistema público de saúde do Canadá é essencialmente financiado por impostos, em particular pelo imposto de renda estadual e federal e, complementarmente, pelo imposto sobre o valor adicionado e por receitas de loterias. Duas províncias (Alberta e Columbia Britânica) usam também o aporte de contribuições para um fundo de saúde. Esse aporte, entretanto, não é baseado em cálculo de risco nem constitui precondição para o acesso ao tratamento. (JÚNIOR, 2006, p. 35)

Mas essa forma de financiamento foi modificada com o passar dos anos. Dos anos 70 aos anos 90, o financiamento era realizado exclusivamente pelo Governo, sem que houvesse a participação da população, e posteriormente passou a ser financiado também pela população por meio de tributos:

Com relação ao financiamento, no Canadá, no período de 1977 a 1996, houve transferência direta de recursos financeiros com base per capita às províncias e territórios para serviços de assistência à saúde prolongados, nos quais se inclui a Assistência Domiciliar. Entretanto, nesses últimos anos, o ponto principal do mecanismo de financiamento federal tem sido ajuda para os usuários dos serviços de AD, por meio de créditos tributários e deduções no imposto de renda. (REHEM, TRAD, 2005, p. 02)

Houve um ato que concretizou a delineação do sistema de saúde no país, que é o Canadian Health Act promulgado em 1984. Assim, o sistema de saúde do Canadá se baseia nos seguintes princípios:

Administração pública: o seguro-saúde deve ser administrado por uma autoridade pública sem fins lucrativos sujeito à auditoria das transações e contabilidade financeira; desenho de benefícios compreensivo: o plano deve garantir acesso a todos os serviços médicos e hospitalares clinicamente necessários; universalidade: todos os indivíduos residentes nas províncias são elegíveis ao acesso aos serviços providos; portabilidade: todos os residentes que se movem para outra província devem continuar a ter cobertura dos serviços de saúde pela província de origem durante o período de espera para entrada no plano de seguro da nova província (este período de espera não pode exceder a 3 meses). acesso: os planos devem prover condições e termos uniformes de acesso razoável aos serviços médicos e hospitalares sem a imposição de barreiras. É proibida a cobrança de tarifas dos usuários. Nenhum indivíduo pode ser discriminado por critérios de status da saúde, renda etc. (LISBOA,
ANDRADE, 2010, p. 08).

Assim, a participação do Governo do Canadá no financiamento da saúde encontra-se intimamente relacionado com o respeito a esses princípios que são fundamentais para o funcionamento pleno da saúde no país. Todo cidadão canadense tem acesso a esse sistema de saúde, trata-se de direito fundamental.

A efetivação desse direito ocorre com o cadastro da população no banco de dados do programa. Cada província possui o seu banco de dados, e a pessoa é atendida pelo sistema de saúde da sua província.

Não existe sistema privado de saúde no Canadá, ele é proibido por lei em algumas províncias. Em contrapartida todos recebem o mesmo atendimento independente de classe social ou condição financeira. Isso é explicitado no seguinte entendimento:

Na maior parte das províncias é proibida a criação de seguro privado que oferte os mesmos serviços providos pelos programas de seguro públicos. A implementação de seguro privado é permitida apenas para o provimento de serviços suplementares, como prescrição de remédios, cuidado odontológico e oftalmológico, serviços de transporte (ambulância), serviços de enfermagem qualificada, entre outros. (LISBOA, ANDRADE, 2010, p. 08)

Mas é permitida a utilização do sistema de saúde para complementar o serviço principal de saúde oferecido pelo Estado, com a contratação de serviços que não são cobertos pelo sistema principal, nesse sentido:

O seguro privado não pode, por lei, concorrer na faixa de serviços disponíveis na rede pública. Entretanto, a ele é facultado operar de forma complementar, e cerca de 80% da população dispõe de algum tipo de cobertura adicional para quartos privados, despesas com medicamento, tratamento dentário, usualmente financiada pelos empregadores. Essa cobertura dá direito à renúncia fiscal por parte dos empregadores. (JÚNIOR, 2006, p. 28)

Assim, percebe-se que o sistema de saúde do Canadá foi construído sob o alicerce da universalidade, onde todos os cidadãos podem ser atendidos, recebendo, assim, os serviços médicos, e também sob o alicerce da equidade, onde não há diferenciação entre as pessoas que utilizarão os serviços.

Não deve haver a cobrança dos serviços de saúde por parte dos médicos. Mas a depender da necessidade, pode haver a cobrança de pequenas taxas, como para atestado médico, consultas perdidas, dentre outras:

Os canadenses não podem ser cobrados por nenhum dos serviços que os médicos os fazem. Por exemplo, não dá para pagar por um atendimento para ter prioridade, ou pagar por uma cirurgia que você quer fazer. Ainda, se você quer ver um especialista mas não tem o encaminhamento de um médico de família isto não é possível (explicarei melhor quando falar sobre a importância do médico de família). Em algumas províncias os médicos podem cobrar uma pequena taxa ao paciente por consultas perdidas, por atestados médicos e por prescrição de medicamentos feitas por telefone – todos os itens para os quais um médico não recebe pagamento da província. (GHISI, 2017, p. 01)

A universalidade do sistema canadense não quer dizer que necessariamente todos os serviços são cobertos. Contrariamente ao Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro, sem entrar no mérito das suas imensas limitações, o sistema canadense não cobre, em geral, saúde bucal, medicamentos extra-hospitalares e outros profissionais de saúde (fisioterapeutas, psicólogos, fonoaudiólogos). (BRANDÃO, 2017)

Ademais, todos os canadenses, independente da sua situação financeira pode fazer uso do sistema de saúde do país, pois os gastos com saúde são pagos com impostos, conforme já explicitado anteriormente.

Todos os canadenses, independentemente da situação financeira, usam o sistema público para serviços médicos e atendimento hospitalar. O gasto com saúde já está incluído no Imposto de Renda, de acordo com os rendimentos de cada um. Na hora de receber o atendimento, geralmente não é preciso desembolsar nada. Mesmo no caso de uma clínica de propriedade privada, o pagamento pelo tratamento será feito pelo governo, dentro do sistema público de saúde, e não pelo paciente. O sistema privado pode ser usado apenas para alguns serviços, como testes e diagnósticos, algumas cirurgias estéticas ou tratamento odontológico. (CORRÊA, 2014, p. 01)

Importante mencionar quais sãos os sistemas de saúde das principais províncias. Em Ontário, O plano da província é chamado Ontario Health Insurance Plan (OHIP); Em British Columbia o plano de saúde governamental é o Medical Services Plan (MSP); Em Mantinoba há o Manitoba Health (MH); Na província o sistema o que dá direito a cobertura governamental é o Health Card; em Alberta há o O Alberta Health Care. Todos esses sistemas, e os demais sistemas de outras províncias não mencionadas, obedecem às diretrizes gerais do Governo Federal.

A cobertura varia consideravelmente entre as províncias. Alguns têm programas generosos para todos os idosos com co-pagamentos modestos e nenhum teste de renda. Outros restringem o financiamento público aos que estiverem à assistência social e as pessoas com elevados custos anuais de drogas. As consequências dessa abordagem fragmentada são os altos preços, taxas substanciais de abandono de planos de saúde, e considerável utilização inadequada. Uma evolução positiva foi a colaboração interprovincial para reduzir os preços de medicamentos genéricos, previamente entre as mais elevadas do mundo, a 18% do custo de marca (ainda maior do que o necessário, na opinião de alguns analistas). (STACCIARINI, 2015, p. 01)

No Canadá não existem, como no Brasil, hospitais públicos e particulares: todos são públicos. Em caso de emergência, o mais indicado é se dirigir para o pronto-socorro de um deles, onde você será atendido com o cartão do seu sistema de saúde. Se não for uma emergência, convém procurar uma clínica.

É perceptível que o sistema de saúde canadense é bastante interessante, é um sistema humanizado, com a cobertura universal e equitativa, o que o diferencia dos países que ostentam um modelo exclusivamente privado e oneroso.

Considerações Finais

Conforme foi visto no desenvolvimento do presente estudo, o Sistema de Saúde do Canadá não segue um modelo único em todo o país. Cada província possui o seu sistema de saúde, que é delimitado pela própria província, com o financiamento do Governo Federal e da população, por meio do pagamento de tributo.

Ademais, o sistema de saúde canadense, em todos os seus modelos, se baseia na universalidade e na equidade, com o atendimento amplo e sem discriminação da população. Esse modelo universal e equitativo se aproxima muito do sistema de saúde público brasileiro que se baseia nos mesmos princípios.

Não há sistema privado de saúde no Canadá, com a prestação de serviços completos de saúde. Só é permitida a filiação a sistemas privados para que haja a complementação do sistema de saúde público, pois há alguns serviços que não são cobertos, como o serviço odontológico, por exemplo.

Portanto, é possível compreender o motivo pelo qual a saúde no Canadá é alvo de muitos elogios no cenário mundial, principalmente se realizada uma comparação entre modelos privados, como é o caso do sistema de saúde dos estados Unidos que é predominantemente privado.

Cada país tem uma realidade diferente, mesmo quando se trata de direitos universais, e que devem ser garantidos a todas as pessoas, como é o caso do direito a saúde. O funcionamento do sistema de saúde do Canadá deve ser estudado com frequência, e as críticas e elogios pertinentes devem ser exteriorizados.

Referências

BRANDÃO, José Ricardo de Mello. A atenção primária à saúde no Canadá: realidade e desafios atuais. Scielo, 2017. Disponível em: . Acesso em 15 abr. 2020.

CORRÊA, Alessandra. Pobres e ricos têm tratamento idêntico em sistema único no Canadá. BBC Brasil, 2014.

GHISI, Gabriela. Tudo o que você sempre quis saber sobre o sistema de saúde no Canadá. 2017.

JÚNIOR, Geraldo Biasoto. Regulação do setor saúde nas Américas: as relações entre o público e o privado numa abordagem sistêmica. Brasília. Organização Pan-Americana da Saúde, 2006.

LISBOA, Marcos de Barros; ANDRADE, Mônica Viegas. Velhos dilemas no provimento de bens e serviços de saúde: uma comparação dos casos canadense, inglês e americano. Belo Horizonte: Nova Economia, 2010.

ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: < https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.pdf>. Acesso em 16 abr. 2020.

REHEM, Tânia Cristina Morais Santa Bárbara; TRAD, Leny Alves. Assistência domiciliar em saúde: subsídios para um projeto de atenção básica brasileira. Scielo, 2005. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-81232005000500024&script=sci_arttext. Acesso em 16 abr. 2020

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012.

STACCIARINI, David Castro. O Sistema de Saúde Canadense – A Reforma nas Províncias Canadenses. Jusbrasil, 2015. Disponível em: https://davidcastrostacciarini.jusbrasil.com.br/artigos/178616973/o-sistema-de-saudecanadense-a-reforma-nas-provincias-canadenses. Acesso em 16 abr. 2020.


1 Marina Stefania Mendes Pereira Garcia, Advogada desde 2007; Possui graduação em Direito pela UNOPAR – Universidade do Norte do Paraná (2004), Pós Graduação em Direito Empresarial pela UEL – Universidade Estadual de Londrina – PR, Aperfeiçoamento em Mediação e Arbitragem, Mestranda em Direito da Saúde pela UNISANTA – Universidade Santa Cecília.

2 Alessandro Marcus da Silva Gonçalves, Advogado – Especialista em Direito Médico. Conselheiro jurídico –ANADEM – Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética. Mestrando em Direito da Saúde pela UNISANTA – Universidade Santa Cecília. Professor da Escola Nacional de Seguros – FUNENSEG.

Fechar menu